A VIDA SEXUAL DOS ÍNDIOS BRASILEIROS




"Os peixes bons tornam-se insípidos, mas o sexo é sempre divertido". A frase, dita há mais de 20 (40) por Ketepe, habitante da aldeia mehinaku, ao antropólogo americano Thomas Gregor, dá bem a dimensão da importância que este assunto tem para os povos indígenas. 
Como garante o também antropólogo [...] Darcy Ribeiro  (Montes Claros26 de outubro de 1922 —Brasília17 de fevereiro de 1997), esta gente conserva uma visão gozosa da vida, onde todos os sentidos desempenham um papel muito especial. Mesmo entre as tribos já atingidas pela civilização branca, como os wiamiri-atroaris, do Amazonas, ou os moradores do Xingu, a sensualidade se manifesta desde a mais tenra idade, e o prazer é experimentado sem culpas, angústias ou preconceitos. "


EM TODAS AS TRIBOS BRASILEIRAS, OS ÍNDIOS VIVEM A SEXUALIDADE DE FORMA PRAZEROSA E SEM CULPAS.


                        (Foto de Sebastião Salgado)


"Não existe raça mais recatada do que a indígena, quando o assunto é sexualidade." A afirmação é uma das maiores autoridades brasileiras na matéria: o sertanista Orlando Vilas Boas (Santa Cruz do Rio Pardo12 de janeiro de 1914 — São Paulo12 de dezembro de 2002), que dedicou mais de 40 anos de sua vida ao estudo dos índios, principalmente os que habitam a região do Xingu."
[...]





Ao longo da maior parte de sua vida, as tribos com as quais Villas Boas mais teve contato foram as tupis e caramairaras. Nelas, a exemplo do que acontece como os caiapós e os xavantes, o índio inicia sua vida sexual entre os 16 e os 17 anos, relacionando-se com as mulheres mais velhas da aldeia. Já para as jovens, não há restrições. A decisão parte delas. A atingirem a puberdade, no entanto, entram em regime de reclusão, que varia de nove a 11 meses, de onde saem direto para o casamento, que é acertado entre os pais. "Essa reclusão acontece para evitar que a índia engravide", explica o sertanista. "A comunidade não tolera a mãe solteira, pois eles acreditam que a criança que vai nascer é um espírito mau, justamente por não ter pai." O casamento sem filhos, por seu lado, uma das piores coisas que pode acontecer a uma família, é um dos motivos sólidos para a separação. Cabe, então, ao irmão da índia indicar um segundo marido. Mas, dificilmente, a mulher conseguirá passar do terceiro matrimônio.


        (Foto de Juliano Serra)


Como as meninas inciam muito cedo a vida sexual, a virgindade é praticamente irrelevante para os homens. O casamento é acertado pelos pais, e isso não pode ser contestado. A fidelidade também é encarada de forma bastante diferente da do homem branco.






"Quando o marido viaja, a índia pode-se encontrar com um antigo namorado e manter realções sexuais", diz Villas Boas. "Esse relacionamento não é feito às escondidas. Todos da tribo sabem. Quando o marido retorna e fica sabendo do caso, ele dá uma surra considerada simbólica, machucar a esposa, acrescenta.




As relações sexuais dos índios, entretanto, são muito controladas e reservadas, segundo o sertanista. Há épocas em que eles ficam até quatro meses em total abstinência. Normalmente são os períodos das grandes cerimônias ou festas. Já o controle da natalidade não é praticado, embora o casal tenha normalmente apenas dois filhos, o que é explicado pelo longo período de amamentação. "Uma índia amamenta o seu filho até o momento em que, de pé, ele alcance o seio da mãe." O aborto, por sua vez, só existe quando o sogro discute violentamente com o genro. O pai, nesses casos, tem autoridade para pedir à filha que interrompa a gestação, mas é raro acontecer um desentendimento tão grave. "Além disso, o genro jamais fala o nome do sogro, pois estaria uma intimidade que poderia ser comparada ao incesto. E o aborto é praticado de duas maneiras: ou através do toque ou de chás preparados com determinadas ervas. 





Nos seus mais de 40 anos ao lado dos índios, Orlando garante jamais ter visto algum membro das tribos se exceder quanto à sexualidade. "Os índios atléticos podem estar nus e verem belas índias, também nuas, que nada acontece. Não há olhares desejosos, nem gestos obscenos e muito menos cantadas grosseiras."




Para as mulheres mais velhas, a menopausa chega sem traumas. Elas aceitam naturalmente a transformação do corpo, mesmo com uma vida fértil bem menor do que as das mulheres de outras raças: a menopausa começa, quase sempre, na casa dos 35 anos. E, quando isso acontece, elas passam a se preocupar com a iniciação sexual dos rapazes. "Jamais alguém verá uma índia de meia idade correndo atrás de garotos, para se satisfazer sexualmente. Aliás, se há algo que elas administram bem é a sua vida sexual", conclui Villas Boas.


(Foto de Maureen Bisilliat)

Com o olhar de gringo a impressão do antropólogo americano Thomas Gregor é diferente. Tendo visitado, em 1967, a tribo dos mehinaku, no Alto Xingu, alguns mais tarde publicou o livro Anxious Plesures - The Sexual Lives of na Amazonian People (Prazeres Ansiosos - As Vidas Sexuais de um Povo da Amazônia), onde se lê: "A exemplo de muitos dos indígenas do Alto Xingu, os mehinaku são muito francos a respeito de sexo. Há pouco retraimento no tocante ao desejo sexual, e as crianças registram os nomes dos numerosos amantes extramaritais de seus pais e suas mães." Gregor garante, ainda, que elas se desenvolvem num ambiente social carregado de erotismo e, vivendo próximas de seus parentes mais velhos e sexualmente ativos, às vezes seguem-nos até o jardim para observar os seus encontros íntimos.




Com os mais velhos gracejando abertamente a respeito de sexo, elas participam das intrigas íntimas da aldeia e, em relação às suas próprias experiências, brincam libidinosamente, "misturando-se num amontoado promíscuo no solo, aou afastam-se aos pares para um encontro mais ousado".



Naquela tribo, também, apesar da tolerância em relação ao sexo pré-marital, a gravidez sem casamento não é aceita, e a maioria das moças casa ao sair do período de isolamento que se segue à primeira menstruação. Nos primeiros anos de matrimônio, em geral, são ciumentas, da mesma forma que os homens. Ou, para usar uma expressão idiomática mehinaku, passam a "apreciar as partes genitais um do outro", o que pode levar até mesmo a sérios confrontos.



Quanto à abordagem, o antropólogo afirma, ainda, que fazer parte da rede de affairs sexuais constitui um assunto delicado. Uma estratégia de baixo risco é "comprar" os préstimos da jovem com a assistência de um de seus amante firmes, em troca de pequenos presentes para os dois. Já a alternativa mais ousada implica abordar uma jovem quando está sozinha num lugar público e convidá-la a ter relações sexuais.


(Foto de Maureen Bisilliat)

Mas, tanto na cópula clandestina quanto na matrimonial, as posições preferidas pelos índios são, em primeiro lugar, o coito sentado, em que o casal se defronta no solo, as pernas da mulher acima e em torno das coxas do homem.


(Foto de José Gavronski)

Numa variação frequente, o homem se ajoelha, descansando sobre as perna, os joelhos separados. Como no primeiro caso, sua parceira coloca as pernas sobre as coxas dele, enquanto ele a agarra pelas costas, de forma que ambos  estão apoiados. A posição de bruços não é tão usada, uma vez que deitar no chão expõe os amantes aos insetos.




Essas posições são usadas quando os casais têm tempo e privacidade. A mais difícil de todas é "o sexo numa rede", façanha que exige considerável habilidade do homem e da mulher. Diz Thomas Gregor: "Embora a posição básica, lado a lado, me tenha sido descrita, não compreendo como um sasam pode se ajeitar numa pequena rede balouçante e fazer sexo." Talvez uma visita ao Nordeste do Brasil contribuísse para demonstrar ao autor que a posição é exclusiva dos índios do Alto Xingu.


(Foto: Maureen Bisilliat)

O coito em pé é uma quarta posição, que se adapta bem aos momentos fugazes de encontros fortuitos. Segurando a parceira pelas nádegas e pela cintura, o homem a ergue ligeiramente do solo, ao passo que ela levanta um dos joelhos. O sexo no rio é a última das posições mais usadas, com a água mais ou menos ao nível do peito e a postura semelhante à do sexo em pé.




Mas a lista das cinco posições coitais não exaure o repertório dos mehinaku e, a despeito das esporádicas cenas de ciúme de maridos e mulheres, o autor é de opinião que as ligações extramaritais contribuem para a coesão da aldeia. Dentro da comunidade, as ligações podem consolidar o relacionamento de famílias diferentes. Não apenas deve o homem procurar suas amantes entre parentes distantes, mas ele pode ser obrigado a reconhecer como suas as crianças nascidas dessa ligação.



(Foto de Nair Benedito - tribo dos arara)

Gregor conclui dizendo: "Os homens e as mulheres dos mehinaku mantêm um relacionamento orgânico e complexo. Mutuamente atraídos por um heterosessexualismo entusiástico, beneficiados pelo afeto que devem um ao outro cônjuge e parentes, e lucrando com o seu intercâmbio de bens materiais, parecem estar unidos e indivisíveis".
Juli



Mais ao norte, onde o Brasil faz fronteira com a Venezuela, os índios que pertencem ao tronco linguístico dos ianomami mantêm uma rotina afetiva própria, ditada por um universo místico e mítico peculiar.





Entre marido e mulher, em público, existe um certo recato percebido na reuniões à beira de alguma fogueira quando, mesmo sentados lado a lado, raramente trocam carícias; ou na caminhadas pela mata, quando o homem sempre vai à frente; e ainda no hábito que elas têm de se referirem ao cônjuge não pelo nome, mas através de um filho.


(Foto Maureen Bisilliat)

Em seu livro Memórias Sanumá, a antropóloga Alcida Rita Ramos escreve: "Isso não significa moralismo ou negação da sexualidade, pois esta aparece muito nas conversas, nas piadas e nas brincadeiras jocosas entre primos cruzados, sendo parte integrante da sociabilidade e da socialização das crianças desde cedo."




Alcida diz ainda que, entre eles, o casamento não é marcado por nada mais espetacular do que o ato de o marido amarrar a rede no compartimento da mulher: "Até parece que os nós corrediços que prendem a rede de maneira a facilitar o ajuste de sua posição e uma retirada rápida, com ocasionais tombos estrondosos, sevem de metáfora ao laço matrimonial: vínculo que, mesmo unindo, é sempre escorregadio e sujeito a ruptura".



(Foto Maureen Bisilliat)

Os casais ianomami, aliás, raramente ficam juntos até que a morte os separe. Os divórcios são frequentes, os casamentos em série numerosos e a poliginia (casamento de um homem com várias mulheres) bastante comum. Além disso, como em qualquer sociedade, há pares que se dão bem e outros cuja rotina é uma sequência de brigas e reconciliações.




Quanto a xapona (maloca) está muito cheia, os maridos colocam sua rede acima da rede das mulheres. E no caso de ele ter mais de uma , fica sobre a da mulher mais nova. As mães dormem com os filhos no colo e as esposas de um mesmo homem ficam em lados opostos da fogueira. Se não são irmãs ou mãe e filha, inclusive, as suas relações tendem a uma certa "evitação mútua".




Entre os ianomami, também, uma mulher não "toma" um marido; ela é "tomada" por ele, embora possa "jogá-lo fora", isto é, separar-se dele tanto quanto ele dela. Em relação à sogra, é obrigatória uma absoluta "evitação". Se um rapaz vislumbra de longe a mãe de sua mulher, muda de direção, volta para trás, esconde-se como pode. Uma rivalidade que é, às vezes, extravasada na forma de duelos, sobretudo quando se trata de um jovem casal. Nessas ocasiões, na presença da comunidade - espectadora e árbitro - os dois se engajam num confornto que envolve cada um golpear o outro na cabeça, maneira a selar a separação.




Assim como em outros povos indígenas, entre este é muito comum o noivado em criança. Mas, ao contrário dos demais, ele raramente resulta em casamento duradouro. O celibato é raro, e as relações extramaritais frequentes. Elas, inclusive, desencadeiam mutas das crises conjugais, em que homens e mulheres sofrem as consequências. No caso de ser a mulher, ela é punida, mas quem realmente enfrenta o duelo é o amante, que, se admitir a culpa, simplesmente se deixa bater pelo marido sem reagir. Quando o homem trai, a mulher também pode desafiá-lo e até bater nele. Mas geralmente acaba apanhando.


(Foto Maureen Bisilliat)

A sexualidade é regulamentada pelo casamento, consumado cerca de seis meses depois do ritual da primeira menstruação, quando a menina jejua e fica em silêncio dias seguido. E ela desobedecer a estas regras, diz a crença da tribo, provocará um cataclismo na forma de violenta inundação que de acordo com relatos míticos, destruirá a aldeia, o povo  e tudo o mais, e provocará o nascimento do homem branco.




Com um teoria genética própria, os ianomami acreditam que é o esperma que faz o embrião, e o sexo da criança depende de que testículos vem o sêmen: se do esquerdo, será menino, se do direito, menina. A mulher grávida apenas carrega o feto, e só depois do nascimento a criança vai ser "realmente" dela. Estes índios acreditam, ainda, que o ideal é ter filhos de ambos os sexos, pois, se uma mulher só tem homens, fica apreensiva, porque crescem e vão embora; se tem apenas filhas, elas não sabem caçar. E, para corrigir um eventual desequilíbrio, recorrem aos xamãs (pajés). Com a ajuda de seus "espíritos", estes preparam uma tipoia - para os meninos - ou cinto - para as meninas - reais ou imaginários, que devem ser usados ante das relações sexuais.





(Reportagem escrita por Deborah Berman, George Gurjan e Mauro Silveira, para a revista MANCHETE nº 2.103, Rio de Janeiro, 25 de julho de 1992).


Obs.: as fotos acima não são as da matéria da Manchete, tampouco se referem especificamente às etnias citadas na reportagem. Servem apenas de ilustração de usos e costumes dos indígenas brasileiros e as que não têm identificação do autor foram retiradas da internet, sem possibilidade de verificação de sua autoria).


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