Famílias abrigadas em ginásio há sete meses pedem socorro


Faixa chama atenção de quem passa na Avenida Senador Filinto Müller, no Quilombo
JAD LARANJEIRA 
DA REDAÇÃO




As dezessete famílias abrigadas no ginásio do Bairro Quilombo, em Cuiabá, há cerca de sete meses - após serem despejadas das regiões do Altos do Coxipó e Sucuri no início do ano - denunciam que estão vivendo em condições desumanas no local.



“Socorro, crianças passando fome aqui”, diz uma faixa pendurada na grade do ginásio, por meio da qual as famílias buscam chamar a atenção para a falta de comida e água potável.



A reportagem do MidiaNews esteve no ginásio e pôde notar a grama alta no terreno, além de muito lixo jogado no chão, o que sugere que local não recebe manutenção e limpeza há meses.



As tendas, montadas no meio da quadra, estão cercadas por fiações elétricas expostas que passam pelos corrimãos e sobre poças de água – “gambiarras”, diz um morador –, e deixam à vista o perigo de uma pessoa ser eletrocutada a qualquer momento.



“A Defesa Civil veio aqui e constatou que esse local é insalubre, porque tem fiações expostas. Inclusive já pegou fogo numa instalação aqui, mas foi arrumado. Tem um poço aberto aqui no qual as crianças podem cair, os banheiros estão entupidos”, relatou Gonçalo José de Sales, um dos moradores.




Alair Ribeiro/MidiaNews

Famílias vivem em tendas montadas dentro de quadra do Ginásio

Como se não bastasse, a única água que os moradores do abrigo têm para beber vem de um poço artesiano aberto para abastecer os chuveiros para atletas do Ginásio.



“Essa água que nós estamos tomando aqui é poluída. Eu tô com uma bactéria dentro do estômago. Fui no médico e eles me disseram isso. Estou tomando medicamento fortíssimo. Aqui está bem crítico, a água vem daquela caixa que tá suja há anos e é utilizada para os atletas tomar banho. A mesma água que vai no banheiro é a que nós tomamos” disse.



No entanto, o desespero veio mesmo por conta da falta de alimentos, que há dois meses não são entregues pela Prefeitura de Cuiabá.



“Primeiro, eles começaram dando suprimentos e marmita. Depois os mini-sacolões. Só que faz dois meses que não vem nada. E, quando eles vêm aqui, chegam com aparato policial, como se fôssemos bandidos ou animais. Nós não somos isso, aqui tem famílias de bem”, reclamou Gonçalo.



O morador conta que a casa em que morava foi derrubada no Bairro Sucuri e ele foi para o Ginásio com a promessa de que, em até seis meses, ele e a sua família seriam realocados para uma nova moradia.



Márcia Pedrozo e Amanda Pereira Cruz foram retiradas da região do Altos do Coxipó com suas respectivas famílias, pois ali era Área de Preservação Ambiental (APA).



Ambas segurando seus filhos pequenos no colo, elas relataram as dificuldades que passam e a aflição de não ter com quem deixar as crianças para arrumar um trabalho e garantir seus sustentos.


Essa água é utilizada para os atletas tomar banho. A mesma água que vai no banheiro é a que nós tomamos

“Nós estamos sem nada, não podemos sair pra trabalhar, não podemos arrumar nenhum serviço, porque as crianças não podem ficar sozinhas e também porque, se não tiver ninguém aqui dentro, não vem mais o auxílio da prefeitura. Se sair, eles não se responsabilizam mais, ou seja, ou você fica aqui ou fica sem nada, o que acaba dando no mesmo porque estamos já sem nada há dois meses”, desabafou Amanda.



Sentindo-se desamparados



A sensação de desamparo tomou conta dos moradores do Ginásio do Quilombo. Todos afirmaram à reportagem que, desde que foram retirados de suas casas, convivem com a incerteza.



“O que eles falam nas entrevistas é que estão prestando uma assistência que nunca foi prestada, que não existe. E eles passam para população que estamos sendo amparados, mas não é essa a situação, porque aqui nessa quadra a gente passa chuva, passa frio e passa sol”, reclamou Amanda que está no local com o marido e o filho.



De acordo com as famílias, o secretário de Habitação e Regularização Fundiária da Capital, Air Praeiro, havia prometido retirar todos dali em até seis meses.




Alair Ribeiro/MidiaNews

Famílias relatam que estão passando fome no local

“Era promessa do secretário: que nós ficaríamos por pouco tempo aqui. E estamos indo para o oitavo mês. Até quando vamos ficar? Isso que queria saber, porque ele prometeu e tem que cumprir”, pediu Gonçalo.



Segundo ele, a promessa era que todos seriam encaixados no programa da Caixa Econômica Federal "Minha Casa, Minha Vida", o que não aconteceu. Depois houve a oferta de lotes, desde que as famílias aceitassem deixar o ginásio de imediato, o que era inviável para famílias com crianças.



“As famílias que têm crianças não têm como construir uma casa de um dia para o outro. Então as 16 famílias que realmente precisam estão aqui. O restante que saiu foi na promessa desse terreno, e não houve terreno pra ninguém. Até agora ninguém ganhou nada e pra cá não pode voltar mais”, explicou o morador do abrigo.



Gonçalo aproveitou ainda o momento e fez um apelo ao prefeito Emanuel Pinheiro e ao secretário de Habitação.



“Emanuel Pinheiro falou que essa gestão dele ia ser de humanização, mas que humanização é essa? Até hoje nem ele, nem nenhum representante dele vieram aqui para conversar com a gente. Eu gostaria que o prefeito viesse aqui para ver nossa situação, porque aqui está difícil”, pediu.



As pessoas que estão abrigadas no Ginásio do Quilombo também estão aceitando doações de alimentos, roupas e produtos de higiene pessoal. Os itens podem ser entregues no local.




Alair Ribeiro/MidiaNews

Uma das tendas montadas pelas famílias

Outro lado



Em nota ao MidiaNews, a Prefeitura de Cuiabá negou que tenha havido paralisação no fornecimento de cestas básicas às famílias abrigadas no ginásio. Segundo a nota, os estoques de julho seriam entregues nesta quarta-feira (11).



A assessoria de imprensa informou, ainda, que possui os comprovantes de entrega do auxílio de janeiro a junho.



A respeito da saída das famílias do abrigo temporário, a prefeitura disse que irá adotar o “Aluguel Social” - por meio do qual serão alugadas moradias para as famílias por três meses até que estas consigam se organizar e se inserir no mercado de trabalho.



Conforme a nota, o fim do trâmite contratual deve ocorrer até a próxima semana, quando será feita a retirada das famílias do ginásio.



Quanto à moradia fixa para estas famílias, a prefeitura relatou que estuda a possibilidade de um terreno para abrigar todas as famílias que estão em situação de extrema vulnerabilidade. Porém, segundo a nota, não há data para que isto ocorra.



"Ainda sobre a questão habitacional, o município apontou a doação de alguns terrenos para aquelas famílias que realmente se enquadram em situação de extrema vulnerabilidade. Porém, como já citado em trecho acima, este processo é moroso e também não depende somente do Poder Executivo Municipal. Mas os gestores estão trabalhando na busca desse projeto", diz trecho da nota.

Related Posts: