Diante dos questionamentos apresentados por arquitetos, historiadores e agentes culturais que alegam a descaracterização do patrimônio histórico no resultado das reformas realizados nas praças centrais de Cuiabá, a reportagem do LIVRE conversou com o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Juares Samaniego, para entender como esses projetos foram planejados e executados.
O representante da Prefeitura de Cuiabá explicou que os recursos utilizados para as obras são oriundos do Ministério do Cultura e todos os projetos passaram pela aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ele também argumentou que encontrar profissionais na área de restauro é difícil – e que todas as mudanças estavam previstas nos projetos aprovados ainda em 2014.
Já de início, rebateu as críticas: “Concreto é patrimônio histórico? Não é patrimônio histórico. Os pisos das praças são de concreto, que não caracteriza. O entorno das praças pode até ser, alguns itens que compõem as praças eu também posso concordar que sejam patrimônio histórico, mas nada disso foi tirado”, alega Samaniego.
Confira abaixo como foi a entrevista:
O LIVRE: Não houve alteração mesmo pintando monumentos como o chafariz e coreto, uniformizando os pisos?
Juares Samaniego: Isso não afeta em nada. Só melhoramos a qualidade de uma praça que estava em um piso de concreto. Na verdade, as praças não são tombadas como patrimônio histórico. Quando você tem um tombamento é que você tem que preservar todas as características originais. O material que se usava há 100 anos não é o mesmo de hoje: 100% das casas ou eram de madeira ou adobe. Hoje você não têm essa tecnologia e, para recuperar esses casarões por aí, você tem dificuldade, porque pouca gente mexe com restauração em adobe.
OL: Mas essas obras foram pensadas como obras de revitalização ou de reforma? Como estão chamando e como foi previsto no projeto?
JS: Esse projeto, na verdade, [as obras] já foram licitadas na gestão passada, em 2014. Não deram o encaminhamento e não conseguiram executar. A gente assumiu o compromisso de executar as obras, se não teríamos que devolver recurso para a União.
OL: Mas então elas estão encaixadas em um processo de reforma?
JS: Todas elas estão encaixadas em processo de reforma, realmente estão sendo reformadas. A única na qual não foi feito nenhum processo de demolição ou retirada de material foi a Praça Caetano Albuquerque, porque o piso estava relativamente bom, então procuramos corrigir e fazer a paginação do piso que está sendo colocado nas praças.
OL: Todas essas mudanças citadas já estavam previstas no projeto?
JS: Como são recursos da Caixa, se eu plantar uma árvore não especificada no projeto o empreiteiro não consegue receber a medição. Ele não pode alterar nada no projeto, nem eu. Houve atraso nas obras da escadaria do Beco Alto, porque quem fez o projeto inicial foi um arquiteto que hoje não trabalha mais, só ele pode mexer no projeto para alterar a planilha orçamentária. Nada do que está sendo executado não se encontra dentro do projeto, desde o poste de iluminação, que é exigência do Iphan. Então o Iphan, que é o responsável pelo patrimônio, aprovou todos os projetos.
OL: Saindo um pouco das praças para a parte de arborização da cidade. Como se dá a escolha pelas palmeiras, por exemplo, que geram grande polêmica?
JS: A Avenida Getúlio Vargas, há cento e poucos anos, já tinha palmeiras. A Praça Ipiranga era toda tomada por palmeiras. Ela pode não ser oriunda de Cuiabá, mas elas foram trazidas há muito tempo e se insere na questão da urbanização e revitalização e no contexto da cidade. Não tem novidade, nem nada que estamos buscando de fora. Logicamente, se procura preservar as plantas do cerrado brasileiro, como o ipê, que a gente vem plantando também.
OL: O que motivou as obras? Qual a proposta?
JS: O prefeito Emanuel Pinheiro está com a determinação de ter uma cidade com melhor qualidade de vida para a população, uma cidade mais bonita e mais limpa. Isso ao longo do tempo a gente vai ver. São políticas públicas. Ele quer revitalizar os canteiros das avenidas Prainha, Mato Grosso, as praças centrais e das periferias. Eu acho que você consegue levar a população para a praça se tiver uma praça bem cuidada, bem limpa e iluminada e leva a população para participar em áreas públicas e de lazer.
OL: Mas uma das críticas que se faz, seja de populares ou especialistas, é sobre esses projetos não serem apresentados ou pensados em conjunto com as pessoas que ocupam aqueles espaços. A exemplo das batalhas de rap na Ipiranga e na Alencastro, que desde que começou a ser reformada, o pessoal teve que ir para a Praça da República. Os vendedores de comida de rua também estão reivindicando aquele espaço.
JS: Mas só esse segmento é a população? Tudo que se vai usar no espaço público tem que ter alvará e solicitação. Todo mundo reivindica a praça, quer fazer eventos na praça e para isso precisa haver um controle do município. Geralmente o que impede é o que está no entorno. Os comerciantes e os moradores também reivindicam a praça revitalizada, é o que mais tem na Secretaria. Você procura atender, mas se for ouvir todas as categorias você não consegue, porque cada um acha que é dono daquele pedaço e o município precisa, por obrigação, ter autonomia de executar o que acha melhor de uma forma geral e não pensar em segmentos.
OL: É que nesse caso não são eventos como a gente pensa, são ocupações espontâneas. Eles não estão proibidos, mas o conflito é a segurança particular contratada pela Associação dos Comerciantes. É permitido que um segmento da população cuide da segurança naquele espaço?
JS: Se todo segmento oferecesse isso para a prefeitura seria uma maravilha. Eles tão cuidando de um bem público que a população de modo geral não faz. Essa praça não é para andar com skate, se não detona tudo, em cima dos bancos. É proibido porque não é pista. A segurança está ali não para coibir, mas para cuidar do bem público. A praça trouxe dentro do comércio para eles mais lucros porque as pessoas começaram a frequentar mais as praças e se eles acham viável, o município agradece.
OL: Mas não seria melhor que essa segurança fosse feita pela prefeitura para não haver nenhum tipo de privilégio?
JS: Estamos procurando mecanismos para o município arcar com a segurança, ou via convênio com Associação ou contratados via Secretaria para colocar guardas em todas as praças. Tanto é que estamos aprovando uma lei onde se pode adotar uma praça”, vamos abrir essas praças para que seja explorada algum tipo de comércio e isso vai ter um custo para manutenção da praça. Estamos mandando uma minuta para a Câmara que prevê que a gente possa ceder o espaço público para angariar recursos, como ocorre no Parque das Águas e na Orla do Porto. É um plano para todas praças.
OL: Isso não caracteriza um processo de privatização?
JS: Não, porque vamos conceder uso de alguns espaços e não de todo espaço. Um cara vai poder ter 30 metros aqui e nos resguardamos com um projeto de lei. Vamos abrir uma chamada pública e participa quem quiser, não vamos direcionar para ninguém. Vai ser transparente e quem oferecer mais para o município vai poder explorar, não estamos privatizando nada.
OL: Houve mudança nos nomes ou já estão valendo novas regras de utilização das praças? Alguns comerciantes da Praça da Mandioca alegaram que antes não era necessário Alvará para utilização de som no local e depois da reforma passou a ser cobrado.
JS: Lógico que vai mudar, o espaço público é público e o comerciante não pode querer explorar o espaço público. Se aberta a concessão e os comerciantes entenderem que têm que administrar aquela praça, beleza. Mas eu não posso emitir cinco alvarás de som ao mesmo tempo. Isso sempre foi cobrado. Sobre a alteração dos nomes, apenas uma praça, a Nossa Senhora dos Passos, que eu estou procurando saber porque mudou, mas os projetos foram aprovados em 2014 com esse nome.
OL: Existe estudo cultural e histórico para elaborar esses projetos?
JS: Houve uma aprovação do Iphan, até pela origem do recurso, e ele é um dos fiscalizadores do projeto. Se o Iphan aprovou, não afetou em nada dos imóveis tombados da região.
OL: Houve uma preocupação com a memória da cidade? Tem algo que você me diria que remete e é fiel a cultura cuiabana e ao estilo de vida da cidade?
JS: Acho que todas elas estão sendo preservadas as características da cidade, talvez com outro tipo de material e paginação do piso que na época não tinha. Mas isso é evolução, você tinha uma praça de chão batido, depois venho no concreto, o que tinha plantado ficou plantado. Nós queremos dar qualidade de vida para o centro que não explorado como área central. A ideia é trazer investimentos para essa região para que se possa explorar a vida noturna no Centro. De uma forma ou de outra, precisamos fazer as melhorias e nada foi alterado. Só melhoramos o visual e melhoramos até o usuário das praças. A preservação da cuiabania em si está nos imóveis ao entorno.