Abandonado, virou ponto de drogas e prostituição

Comerciantes e vendedores que mantêm estabelecimentos no local padecem com o descaso, mas não perdem a esperança de ver o mercado reformado 

DINALTE MIRANDA/DC
Mercado Municipal, abandonado pelas autoridades públicas: ponto de droga e prostituição
JOANICE DE DEUS
Da Reportagem

Parte da história de Cuiabá, o Mercado Municipal “Miguel Sutil”, localizado entre a Avenida Isaac Póvoas e a Rua Joaquim Murtinho, coração financeiro e histórico da capital, tenta resistir ao abandono por parte da sociedade cuiabana e do poder público. O prédio, que já foi um dos mais importantes endereços comerciais da cidade, está em ruína e é hoje ponto de prostituição, uso e tráfico de drogas.

Por lá, ainda há comerciantes e vendedores que presenciaram o auge do mercado. Eles resistem ao descaso e se negam a abandonar o espaço na esperança de um dia ver o prédio, que é público, reformado. Porém, lamentam o fato dos problemas serem de conhecimento das autoridades públicas municipais e estaduais ligadas às áreas de segurança pública e ordem pública, sem que seja adotada uma solução definitiva.

Desde os portões de entrada ou saída do “Mercado Municipal” é possível perceber a decadência do antigo imóvel, com gambiarras na instalação elétrica, falta de equipamentos de segurança e paredes cheias de infiltrações e os banheiros sem condições de uso.

No local, segundo comerciantes ouvidos pela reportagem do Diário, há 32 boxes. Segundo eles, apenas 10% das bancas encontram-se fechadas. Nas demais, funcionam açougues, uma mercearia, loja de ração animal, restaurante, lanchonete e bares. As pessoas que falaram com a reportagem pediram para não ter os nomes divulgados temendo possíveis retaliações já que o tráfico corre pelo interior do bem público.

Em uma das laterais do prédio, por exemplo, na entrada da Isaac Póvoas, há três boxes fechados. Um deles está totalmente sem telhado e, segundo informações, há cerca de 10 anos abrigava uma lan house, que pegou fogo e, desde então, está abandonado. Ao lado dele, funcionava um comércio de material plástico, que se mudou para o Bairro Porto. No outro, há a expectativa de reabertura de uma floricultura.

De acordo com as informações, o Mercado Municipal foi construído na década de 60. Desde então, passou por poucas ou pequenas reformas. A última teria sido realizada ainda na gestão do já falecido e ex-prefeito Dante de Oliveira (1993-1994). Desde então, eles só ouvem promessas.

“Eu não consigo entender. Em outras capitais os Mercados Municipais são valorizados, são pontos turísticos e cartões postais. Em São Paulo, Fortaleza, Minas Gerais e em Goiás estão sempre bem cuidados. Aqui, apesar de ser um prédio público, não recebe a devida atenção”, lamentou um dos permissionários, que há 30 anos trabalha no mercado.

Ele conta que a história do Mercado Miguel Sutil começou ainda nas proximidades da Praça Ipiranga, na Generoso Ponce, onde os produtos como hortifrutigranjeiros, carnes e o guaraná ralado eram comercializados, como numa grande feira livre. Após, a feira foi transferida para a atual área, na esquina da Isaac Póvoas com a Joaquim Murtinho. “Nos tempos áureos, era um dos principais pontos de comercialização de produtos de Cuiabá”, lembra um deles.

Pelo mercado, eles contam que já passaram figuras ilustres, como o próprio Dante de Oliveira e sua mãe Maria de Oliveira. “Em 2017, tivemos uma reunião com o prefeito Emanuel Pinheiro para tratar do mercado. Na ocasião, o próprio prefeito disse que o Mercado Municipal tem um valor sentimental para ele porque quando criança morava na Joaquim Murtinho com a Thogo Pereira, e ele costumava acompanhar a sua mãe nas compras que ela vinha fazer aqui”, contou um dos proprietários de box no local.

Segundo os comerciantes, o tráfico de drogas e a prostituição no local, agravado pelo problema da poluição sonora, ocorre há alguns anos. Os relatos dão conta que o uso ou tráfico e a atividade sexual ocorrem desde as primeiras horas do dia, por volta das 10 horas, até altas horas da noite, em meio ao som alto e entre um corredor e outro, com saída para um prédio aos fundos (na Joaquim Murtinho). “Todos os dias ficam de 30 a 40 mulheres à disposição, sem falar na venda de drogas”, lamentam. “Fiscais já passaram por aqui. Mas, agem de forma sutil. Não resolvem nada”, acrescentam.

Mas, eles não perdem a esperança. “A reforma do mercado seria um presente para os 300 anos da capital”, destacam lembrando de promessas já feitas por prefeitos anteriores, como o atual deputado estadual Wilson Santos, e por deputados estaduais e federais em destinar recursos para a revitalização do prédio.

De acordo com informações, o prédio está em nome da Câmara Municipal, mas em processo de transferência para a Prefeitura de Cuiabá. Pelo uso, os comerciantes que mantêm as atividades no local deveriam pagar uma taxa de R$ 399,00, mas eles alegam por conta da situação, que afugenta a clientela, e das condições do local não têm condições de arcar com o custo.

Da Secretaria Extraordinária para os 300 anos de Cuiabá, Júnior Leite informou que o processo de transferência do prédio encontra-se no cartório, mas que o Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU) já elabora um projeto para reforma e revitalização do espaço. “Tão logo os primeiros projetos estejam prontos e quantificados para que possamos saber o que deverá ser investido passamos para a fase de captação de recursos”, informou.

Segundo ele, a captação da verba depende da transferência do imóvel para o município. “A prefeitura não pode fazer nada ou nenhuma benfeitoria em prédios que não sejam dela”, disse. A intenção é que a obra inicie ainda no mandato do prefeito Emanuel Pinheiro. “É uma obra cuja programação e planejamento é de que seja feita ainda dentro do mandato do prefeito Emanuel Pinheiro”, reforçou. Além da reforma, mantendo as características de mercado municipal, a ideia é construir no local garagens, distribuídos em três pavimentos.

Embora reconheça que no local há bares funcionando de forma irregular, o secretário o municipal de Ordem Pública, coronel Leovaldo Sales, diz que os problemas identificados no mercado são de responsabilidade do Estado.

“A nossa responsabilidade ali é de ordem pública e não de segurança pública. Nossa função é regularizar as atividades comerciais de Cuiabá. Tráfico de drogas e prostituição são de caráter de segurança pública”, argumentou. “A questão da poluição sonora nós temos ido lá recorrentemente e feito notificações e apreensões de materiais de som. Toda vez que somos provocados através de denúncia a gente vai até o local”, acrescentou.

Indagado se não era o caso da interdição dos bares que insistem em desrespeitar o Código de Postura, Sales diz que a maioria já foi notificada, inclusive, informada sobre a possibilidade da cassação do alvará. “Nós, não vimos ainda nenhuma situação que agrida a ordem pública para motivar o fechamento de estabelecimentos”, afirmou.

Já o comandante do 1º Batalhão da Polícia Militar (PM), tenente-coronel Fábio Luiz Bastos, afirmou que a corporação tem feito constantes operações no lugar. “Em algumas delas, a gente fez pequenas apreensões de droga, o que não se enquadra como tráfico, e nossa equipe de inteligência acompanha o movimento”, comentou.

Segundo ele, dentro do mercado, o pessoal se reúne, mas o tráfico ocorre ao redor do estabelecimento, em casas abandonadas existentes nas imediações. “Já fizemos reuniões com a prefeitura, mas é um local totalmente desestruturado, o que acaba favorecendo as infrações”, comentou dizendo que a prefeitura “não quer mexer”, organizar e estruturar o lugar. “Lá é um prédio fechado, cedido para comerciantes e, a maioria dos estabelecimentos, são bares. É preciso que se organizem para resolver o problema”, acrescentou. Apesar disso, ele afirma que as ocorrências criminais no local são poucas.