Programa eleitoral de Emanuel Pinheiro mente quando vincula propina de R$ 4 milhões da Caramuru à dívida que a Aurora Construtora tem com seus parentes
Na tentativa de desqualificar a denúncia de recebimento de propina de R$ 4 milhões confessada pelo seu irmão, Marco Polo Pinheiro, e sua cunhada, Bárbara Noronha, o candidato a prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (PMDB) citou, em programa eleitoral desta quarta-feira (26), um trecho em que Bárbara fala, na gravação divulgada por Wilson Santos (PSDB), que a Aurora Construtora lhe deveria R$ 4 milhões.
Na verdade, a Aurora deve R$ 247,8 mil à A.M. de Noronha ME, empresa aberta para fornecer marmitas à construtora. A informação pode ser obtida no site do Tribunal de Justiça, já que a Aurora entrou com uma ação de pedido de recuperação judicial e nela relaciona todos os seus devedores.
Ao citar, isoladamente, o trecho da gravação em que Bárbara fala de R$ 4 milhões, Emanuel quer levar a crer que Wilson citou esse valor como se fosse a propina que a Família Pinheiro recebeu da Caramuru Alimentos S.A., em troca da inclusão da empresa no esquema de incentivos fiscais da Gestão Silval Barbosa.
Na verdade, a própria Bárbara, em trecho posterior da gravação, da outra informação sobre o valor da dívida que a Aurora tem com a empresa que abriu em sociedade com a irmã, Fabíola Cássia Noronha.
“A Aurora foi a empresa com quem a gente trabalhava, que faliu e que ficou me devendo R$ 1 milhão”, afirma Bárbara, mostrando uma contradição sobre o valor da dívida que a Aurora tinha com ela.
Já em relação ao que ambas receberam da Caramuru, Bárbara é mais específica. Segundo ela própria, a Caramuru fez “vários pagamentos menores”, e o valor maior, logo após o enquadramento da Caramuru no programa de incentivos fiscais, foi feito à Fabíola, no valor de R$ 2 milhões, que “era a parte dela”, segundo Bárbara.
Conforme a cunhada de Emanuel Pinheiro, sua parte serviu para pagar esse prejuízo e dívidas com factorings; já sobre a parte da irmã ela não diz que destino teve.
“A Fabíola falou: ‘Com esse dinheiro que a gente ganhar, a gente vai pagar as contas da cozinha pra gente, sei lá [começou a chorar]’ Aí então aprovou, aí foi aquela outra coisa do Silval. Aquela baderna que o senhor sabe muito bem, que era uma festa. Mas não participamos da festa, a gente não deu um real para ninguém, não corrompi agente público. A única coisa que eu fiz foi o senhor sabe [...] A única coisa q eu fiz, fiquei indo sim indo lá pra ver, ficando vendo no Cedem [Conselho de Desenvolvimento Econômico], para andar. Aí o senhor Erasmo (...) falou: ‘Bárbara, o que eu ia pagar por aí, eu vou pagar para você, tá bom’. Quando saiu a operação menor, ele pagou. Aí esses dias pagaram muito dinheiro. Ai a pessoa falou: ‘Você não sabe o que é muito dinheiro no Governo Silval’. Mas para mim é, né. Porque eu realmente paguei todos as factorings. Ainda devo muito de pessoal, mas não devo factoring, essas coisas eu consegui pagar tudo. Fiz a operação e a Fabiola recebeu R$ 2 milhões”.
ENTENDA O CASO – Parentes do candidato a prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, procuraram o também candidato Wilson Santos, ainda no 1º turno, para evitar que este denunciasse, na campanha eleitoral, o envolvimento da Família Pinheiro no pagamento de propinas investigado na Operação Sodoma, que já levou o ex-governador Silval Barbosa (PMDB) e inúmeros ex-secretários de Estado à cadeia.
Em uma gravação de áudio, Marco Polo de Freitas Pinheiro, irmão de Emanuel, e Bárbara Helena Pinheiro, esposa de Marco e, portanto, cunhada de Emanuel, apelam para que Wilson não mencione o esquema no horário eleitoral, ao mesmo tempo em que confessam ter recebido, através de suas empresas, vários pagamentos ilegais da Caramuru Alimentos Ltda.
Muito nervosa – e às vezes aos prantos –, Bárbara diz a Wilson Santos que a descoberta dos pagamentos “vai acabar com a minha vida”. Marco Polo, por sua vez, apela para a amizade entre os dois deputados para que a campanha eleitoral foque apenas em propostas e ideias.
A reunião foi realizada no apartamento de Wilson, no bairro Goiabeiras, em Cuiabá. Era perto da meia-noite do último dia 24 de setembro quando Wilson atendeu o casal, após muita insistência. A gravação foi feita por uma quarta pessoa, que presenciou a conversa. Como Bárbara e Marco Polo se mostraram muito nervosos, Wilson pediu a eles que se acalmassem e explicassem o que, de fato, estava acontecendo.
Bárbara disse que ela e sua irmã, Fabíola, prestaram serviço de “assessoria tributária” à Caramuru, apenas, e que nada do que fizeram foi ilegal, ou que teriam usado da influência de Emanuel Pinheiro, como deputado estadual e aliado de Silva, para beneficiar a empresa.
Ela admitiu, porém, que chegou a ir à Secretaria de Estado de Indústria e Comércio, algumas vezes, para defender os interesses da Caramuru. O fato é que, nessa mesma época, a Caramuru conseguiu obter incentivos fiscais do Governo do Estado, através de um procedimento, para dizer o mínimo, fora dos padrões.
A concessão de incentivos tramitou em tempo recorde dentro da secretaria: apenas oito dias entre o protocolo (26/08/2014) e a aprovação (04/09/2014). Geralmente esses processos duram, no mínimo, sessenta dias. Além disso, a aprovação foi “ad referendum”, ou seja, concedida pelo então secretário Alan Fábio Zanatta antes mesmo de apreciação pelo Conselho de Desenvolvimento Empresarial (Cedem) – o que é obrigatório.
A legislação vigente à época da concessão do benefício pelo Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Prodeic) também excluía a possibilidade de incentivar o setor de comércio em geral, incluindo o comércio de grãos, como era o caso. Segundo um relatório de auditoria feito na atual gestão, a Caramuru também não realizou os investimentos e nem gerou os empregos previstos no projeto de concessão e, em dezembro de 2015, a própria empresa solicitou o desenquadramento voluntário do Prodeic.
Também é fato que Emanuel Pinheiro já foi citado, em denúncias da Operação Sodoma, e em pelo menos uma delação premiada, como o deputado que podia defender os interesses das pessoas que já foram presas e processadas pelo esquema do Prodeic.