“De onde eu venho, professor que enche o saco a gente põe fogo no carro, fura o pneu e quebra as pernas”, ouviu, há uma semana, uma professora da rede pública do DF após pedir respeito a um aluno insubordinado em sala de aula. Ela não é a primeira e não será a última. Segundo informações do Sindicato dos Professores (Sinpro), cerca de 70% dos 4 mil professores que estão longe das salas de aula sofrem de problemas emocionais – muitas vezes causados por ameaças.
Rosa (nome fictício) tem 42 anos. No ano passado, ingressou na Secretaria de Educação. Ela sequer saiu do estágio probatório e já teve de passar por uma prova de fogo. O caso é recente e, por isso, a história ainda é contada com receio. “O que eu quero é apagar da memória tudo o que aconteceu”, diz, da mesma forma que apaga palavras do quadro da sala de aula em Ceilândia.
“Eu chamei a atenção dele, que anda muito, conversa muito e não respeita colegas e professores. Quando a gente pede, fala ‘oxe’, vai andando e resiste para mostrar que não se submete à autoridade. Depois de chamar a atenção, ele sentou e me ameaçou. Não dei atenção porque ele fica falando mesmo e a gente continua o trabalho”, lembra.
Mas, para ele, as coisas não seguiram normalmente. O aluno foi suspenso pela repetição do mau comportamento, e surpreendeu Rosa quando saía, à noite, da garagem da unidade. “Ele apontou para outra pessoa que não era da escola e disse: ‘É ela’. O outro balançou a cabeça. Meu instinto era perguntar ou chamar por alguém, mas resolvi não dar atenção. Isso me abalou”, lembra.
Por medo, ela desistiu de registrar ocorrência. “Na minha aula ele não dá mais problema, pediu desculpas. Eu não confio completamente, mas não fico desconfiando”, conta.
Apesar disso, pesadelos acontecem e, às vezes, ela chora no caminho do trabalho. No entanto, não cogita sair da escola. “Tem muito aluno bom. Essa é a regra. A exceção são os que dão problema”, diz.
É lei
No ano passado, o governador Rodrigo Rollemberg sancionou uma legislação que protege os professores contra a violência. A Lei 5.531/2015 garante ao educador o direito de colocar o estudante para fora de sala, de reter objetos que estejam causando perturbação e, ainda, determina que a escola leve os casos de violência ou ameaça ao conhecimento de pais, Batalhão Escolar e Ministério Público.
Aluna tem longo histórico de ofensas
O aluno que ameaçou a professora em Ceilândia foi expulso de outras sete escolas e, segundo a direção, sofreu perdas familiares e precisaria usar um remédio que estaria em falta. Situação semelhante à de uma garota que foi parar na Delegacia da Criança no início do mês.
Aos 13 anos, ela ofendeu o professor e o diretor de um Centro de Ensino Fundamental no Guará. A Polícia Militar informou que a estudante tem passagens por roubo, furto e lesão corporal. Ela moraria com o irmão mais novo e uma prima enquanto o pai cumpre pena por homicídio e a mãe está em um albergue. “É o caso mais difícil que temos”, classificou uma professora.
O docente está afastado. “Ela usa palavras agressivas, já agrediu o vice-diretor com empurrões. Quase todos os dias, entramos em contato com a Regional de Ensino, a PM e o Conselho Tutelar”, contou.
De pequenas discussõesaté homicídio
O professor ofendido por uma aluna não pretende voltar à escola do Guará. As crianças também estão amedrontadas, conta uma docente que, em 16 anos de profissão, também já sofreu ameaças.
O DF coleciona registros de agressões verbais e físicas contra educadores. O caso de Carlos Ramos Mota talvez seja o mais forte. Há oito anos, ele morreu com um tiro no peito em uma ação que envolveu dois estudantes e um ex- aluno. O mentor do crime, segundo o Ministério Público, foi um traficante impedido por Mota de vender entorpecentes dentro da instituição de ensino. De lá para cá, as insubordinações, ameaças e o medo não ficaram de fora das escolas.
O Jornal de Brasília tentou, junto ao Governo de Brasília, estatísticas de professores ameaçados, feridos ou assassinados por alunos. Não existe um levantamento. Há, porém, um estudo recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que colocou o Brasil como primeiro lugar no ranking de agressões físicas ou verbais contra professores no ambiente escolar. Trata-se da maior média de docentes ameaçados ou intimidados ao menos uma vez por semana: 12,5%.
Nem tudo é registrado
De acordo com o Sindicato dos Professores, os números não são disponíveis porque nem todas as ameaças são registradas, o que, para a diretora Rosilene Corrêa, indica que a realidade é mais grave do que parece. “Muitas vezes, a escola evita passar até para não ter repercussão, mas é um equívoco. Só a partir de dados podemos pensar em ações e cobrar o governo”, critica.
“A questão hierárquica de ter um professor como mestre foi se perdendo”, acredita o diretor do Centro de Ensino Fundamental 4 de Ceilândia, Washington Carvalho. Ele nunca passou por casos de agressões físicas, mas diz ter havido desentendimentos. De acordo com o educador, na escola, há divergências ideológicas e xingamentos de alunos contra professores.
Memória
Agosto de 2015 – Um estudante de 12 anos foi suspeito de ameaçar de morte colegas de classe e o diretor de uma escola no Recanto das Emas depois que ele teve 300 gramas de maconha confiscadas pela coordenação.
Julho de 2015 – Um ex-aluno adolescente foi acusado de invadir uma escola de ensino fundamental no do Vale do Amanhecer, ameaçar funcionários, roubar itens da cozinha e danificar o patrimônio do prédio.
Junho de 2015 – Pichações juraram de morte a diretora de um centro de ensino fundamental de Ceilândia que tentava combater o tráfico. A biblioteca foi destruída, um computador foi roubado e as frases de ameaça foram pintadas na parede. A diretora e o vice pediram exoneração.
Maio de 2008 – O professor Valério Mariano dos Santos foi agredido até ficar inconsciente por um ex-aluno dentro da escola onde trabalhava, em Ceilândia. Ele já vinha sendo ameaçado há cerca oito anos pelo agressor.
Versão oficial
A Secretaria de Educação esclareceu, em nota, que o regimento escolar prevê o uso de instrumentos como a ata para registro da vida escolar do aluno e da instituição educacional. O documento prevê, ainda, que o desrespeito às normas pode gerar advertência oral, escrita, suspensão ou transferência de escola. O atendimento psicológico dos professores, por sua vez, acontece na Subsecretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (Subsaúde), como em todas as áreas do GDF. No entanto, “não há um levantamento que discrimine afastamentos por indicações psicológicas”, informou a pasta.
Docente sai escondido em porta-malas
Há algum tempo, um professor de História do o CEF 4 de Ceilândia teve de sair escondido dentro do porta-malas do carro, conta diretor o Washington Carvalho. “Ele foi ameaçado pelo namorado de uma aluna que nem estudava na escola”, lembra. Também já houve caso de carro roubado após uma discussão, além de um professor, que tem porte de arma, chegar ao ponto de andar com o objeto dentro do carro com medo de ser agredido. “Os alunos mais complicados são os que os pais menos frequentam a escola”, define Carvalho.
“Vivemos em um mundo que incentiva a violência e intolerância. O olhar do aluno para a escola é de desrespeito. Quando temos um governo que manda a polícia bater em professor, o que se ensina é que não tem que ter respeito”, destaca Rosilene Corrêa, diretora do Sinpro.
ALUNOS ADMITEM
Estudantes dos níveis Fundamental e Médio admitem, na porta da escola, que casos de insubordinação são comuns em sala de aula. Um grupo de alunos do 8º e 9º anos de uma unidade da Asa Sul, por exemplo, diz que “xingamentos acontecem sempre”, mas nega ter visto agressões físicas.
“Já ameaçaram uma professora de morte por causa de uma suspensão”, conta uma estudante de 13 anos do Guará. De acordo com ela, agressões verbais acontecem sempre dentro dos muros da escola. “Tem um professor do 5º ano que é homossexual e ficam chamando ele de veado e bichona. Um começa e logo vários fazem. Acho errado”, diz a garota, que se sente insegura.
http://www.jornaldebrasilia.com.br/cidades/ameacas-de-alunos-afastam-professores-das-escolas/