Texto 3
O pão nosso
( ) Seus sinais estão, por exemplo,
no melhoramento das cidades em plena crise da administração federal, no basta à
corrupção e no movimento pela ética na política, na emergência de movimentos em
favor da mulher, da criança ou na ecologia, no antirracismo. São antídotos
contra a cultura autoritária que sempre ditou a receita do desastre social.
Eles estão na confluência de duas tendências. Parte da elite não quer viver no
apartheid sul-africano. E cada vez mais pobres querem sua cota de cidadania.
Essa maré vai empurrando a democracia da sociedade para o Estado, de baixo para
cima, dos movimentos sociais para os partidos e instituições políticas. ( ) É nela que eu hoje acredito. E, por causa dela, encontro-me outra vez com a velha questão que me levou à militância política: o que fazer com a miséria? Aceitá-la a título provisório? não dá; aquilo que produz miséria simplesmente não pode ser aceito. A condenação ética da miséria passou a ser a luta contra a miséria para conquistar a democracia.
( ) Pode haver revolta. Mas é improvável que o caminho da mudança no Brasil seja aberto com explosões sociais. A energia que pode ser usada agora para fazer um futuro diferente está aparentemente, em outras fontes de transformação. Porque há mudança no Brasil. Ela não corre, mas anda. Não corre, mas ocorre.
( ) É preciso começar pela miséria. Essa é a energia da mudança que move a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, revelada na adesão de pessoas de todas as classes sociais, idades, tendências políticas e religiosas, parlamentares e prefeitos, empresas públicas e privadas , artistas e meios de comunicação e, sobretudo, na adesão de jovens à tarefa de recolher e distribuir alimento. Essa juventude está descobrindo o gosto de romper o círculo de giz da solidão e abrir o espaço fecundo da solidariedade. Esse mesmo gosto que há quarenta anos se reservava à militância.
(Hebert de Souza in.Veja 25 anos Reflexões para o futuro)